Á hora do crime | Page 2

Francisco Luiz Coutinho de Miranda
Tolerancia!
Termos mentidos! principios falsos! palavras sem significa??o, na pratica desgra?ada de governos retrogrados, de ministros libertecidas, de homens que só respiram odios; e só aspiram vingan?as!
O progresso para elles é a reac??o!
A sua liberdade é a persegui??o para os que mais livremente manifestam a sua opini?o politica!
Para elles a tolerancia está nas cadeias em que encerram os adversarios ou aquelles que, fatigados dos seus desvarios, lan?am m?o do recurso extremo, do remedio fatal, da ultima ras?o dos povos--a revolu??o; principio em nome do qual elles s?o poder; arma de que nenhum d'elles tem deixado de usar, no jogo abjecto d'essa politica miseravel, em que o paiz se tem arrastado ha mais de trinta annos!
Livre manifesta??o do pensamento!
Pois isto é por ventura principio pratico em Portugal?
Apregoam para ahi uns org?os da imprensa, que é livre, liberrima, a manifesta??o do pensamento politico!
Mentira!
Poucos como eu podem mais desafogadamente responder a uma tal asser??o:
--Mentira!
Poucos podem clamar, com mais documentado conhecimento da causa:
Mentira!
Sim, mentira, porque no meu paiz n?o existe liberdade para a manifesta??o do pensamento, e eu sou d'isso um exemplo vivo!
Fallei uma vez ao povo, dizendo-lhe verdades que elle deve conhecer, e perseguiram-me!
Nunca foi alterada a ordem publica nas pacificas reuni?es em que eccoou a minha voz, e processaram-me!
Exercia um direito que meu pae me conquistara com o seu sangue, e vi cair na valla humilde do cimiterio, minado de desgostos, louco de rancor, desesperado de arrependimento, o velho honrado que me deu o ser, ao ver-me perseguido e homisiado pelo crime horrendo de fallar em publico!
Mais tarde, por que reincidi n'este crime nefando, os miseraveis roubaram-me o emprego, exercido durante; muitos annos com honra e zello, no desempenho do qual só recebera elogios, e nunca censuras, ou mesmo leves admoesta??es!
E a manifesta??o do pensamento é livre, liberrima!
Na imprensa o mesmo!
Ainda bem a minha penna n?o tem tra?ado um periodo vehemente de amarga censura, ou de pungente ironia, contra os que cynicamente antep?em á lei a sua vontade pessoal, e já os escriv?es e os juizes, os delegados e os esbirros da justi?a andam atarefados em levantar processos, que partam os bicos d'esta penna, que se n?o dobra á venalidade, e que prefere ser molhada no fel amargo do calix da persegui??o, do que nas amphoras douradas da corrup??o, em que innutilisam as suas os jornalistas devassos!
E a manifesta??o do pensamento é livre, liberrima!
Restava-me ainda um recurso!
Descobri um outro campo em que podesse evangelisar a minha idéa querida, sem offensa das idéas de ninguem!
Era o theatro!
O theatro, onde na velha e sabia Grecia se fazia a apologia da virtude politica, e se erguia o patibulo moral dos homens publicos menos fieis aos seus deveres de cidad?os!
O theatro, d'onde nos tempos do governo absoluto se dirigia a satyra pungente e a ironia mordaz, contra os que menos presavam a dignidade nacional, e se tornavam reus de leso patriotismo!
Nem essa tribuna me póde ser franqueada; e n?o obstante eu n?o a busquei sem levar vestido o habito da decencia; n?o me preparei para ella sem o mais escrupuloso commedimento na phrase; eu n?o pensei em fazer do palco estatua de Pasquino, nem cruz ignominiosa de nenhum homem publico!
E apesar d'isso conhe?o que me é deffeso p?r em scena as figuras com que mais sympathiso no grande theatro da politica universal!
Vejo que me n?o será permittido evangelisar á luz civilisadora da rampa as theorias do meu credo politico, como se proclamam ali as theorias scientificas, como se apregoam as doutrinas philosophicas, como se apostolisam os principios humanitarios!
Como se a sciencia, a philosophia e a humanidade n?o tivessem intimas rela??es com a politica em geral!
E é livre, liberrima, a manifesta??o do pensamento!
Mentira! Falsidade! Embuste!
Vi para ahi na scena uma pe?as, aliás bem urdidas, e correctamente escriptas, em que se relatavam scenas, mais ou menos exactas, da guerra barbara que tem assolado a Fran?a!
E pensei:
--Pois se é permittida a representa??o de pe?as, em que os auctores se apresentam manifestamente inclinados á causa da Fran?a, o que até certo ponto prejudica a neutralidade do paiz em presen?a da guerra; por que n?o ha de alguem, no campo altissimo das generalidades, tratar em these os mais altos principios politicos?
Por essa occasi?o deu-se o tristissimo episodio da morte de Prim, que foi o fatal epilogo da revolu??o de Cadix, e o negro prologo da monarchia que o valente general ergueu sobre os destro?os da monarchia bourbonica.
Na ignorancia dos pormenores d'aquella tragica scena, que n?o honra de certo os que a executaram; fervilharam os boatos a respeito da origem do crime.
Uns atribuiam-no aos partidos, outros a individuos despeitados, e alguns em especial ao honrado partido republicano.
Repugnaram-me todas estas hypotheses, e indignou-me a ultima.
Onde está a abnega??o, n?o existe o crime!
Onde vive o amor da patria, n?o se demora o plano tenebroso de morte, contra uma gloria nacional!
As boccas que proclamam a liberdade
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